Friday, September 7, 2012

Por falar em furacão, lembram do Katrina?


Aqui em New Orleans ninguém esquece.
TODOS OS DIAS eu ouço alguém soltar, no meio de uma conversa sobre qualquer coisa, um "antes do Katrina" ou "depois do Katrina". Definitivamente é o marco na vida de todo mundo dessa área.
Algumas pessoas preferem não repetir o nome Katrina e dizem "A Tempestade" (The Storm).
Pois o sétimo aniversário dA Tempestade foi dia 29 de agosto, o dia exato em que o Isaac nos presenteou com sua visita.

Nesse dia estava marcado um ato, que é feito anualmente, em memória das vítimas do alagamento que ocorreu na cidade depois que a tempestade passou. Era pra ser um encontro ao lado de um dos diques, no local do rompimento que permitiu que o bairro de New Orleans chamado "Lower Ninth Ward" fosse destruído e centenas de pessoas morressem. De lá sairia uma marcha até o outro lado do Canal e daí uma banda (brass band) iria puxar uma "second line" até um parque no "Upper Ninth Ward" e tudo terminaria num show no parque.

Obviamente o evento não ocorreu porque dia 29 estávamos cada qual em sua casa, munidos de água, lanternas, pilhas, velas, comida enlatada, e toda a paciência do mundo, esperando a tempestade da hora passar. O ato/marcha/second line/ show foi remarcado pro dia 3 de setembro que era o dia do trabalho (Labor Day) aqui nos Estados Unidos, feriado nacional.
Feliz de ter algo pra fazer na rua depois de muitos dias enfurnada, e muito bem acompanhada por quem tinha me abandonado, eu fui!!

Atravessamos a ponte da Claiborne Avenue até o Lower Ninth Ward e passamos pelas casas super modernas que foram construídas pela fundação "Make it Right" fundada pelo Brad Pitt. Entre as casas tem muito terreno vazio, a reconstrução é lentíssima. Lembram que faz 7 anos?? Não vimos um supermercado, escola, igreja, biblioteca, restaurante, bar, sei lá, nenhum espaço público, nada que mostre que a comunidade está de volta. Não estou dizendo que não existe, mas não vimos.
Aí chegamos ao lado do dique e encontramos uns gatos pingados esperando o negócio começar ao lado de umas faixas com os nomes de algumas das vítimas que eram moradores do bairro. Depois de uns 40 minutos de atraso os líderes do negócio resolveram dar início. Teve oração, discurso, leitura dos nomes, benção e as instruções de como a marcha ia ser feita, inclusive os detalhes da passagem na ponte da Saint Claude Avenue. Um carro ia na frente e outro atrás, improvisando a escolta que a polícia não estava oferecendo ao grupo, como normalmente ocorre nas second lines. Acredito que seja porque a polícia nunca chega a essas partes da cidade.

Mas nós fomos, pouquíssima gente, pelas ruas quase desertas, encontrado poucos dos moradores das novas casas. Também devo salientar que isso já era segunda-feira, 5 dias depois que o Isaac passou, e esse bairro continuava sem eletricidade. Eu também não voltaria pra casa.
Então chegamos do outro lado e a banda veio encontrar o grupo e fomos agora dançando até o parque. Desse lado da ponte tem muito mais casa, mais gente na rua, nem tudo foi destruído e a vida voltou mais ao normal. Algumas pessoas se juntaram a nós, outras abandonaram o grupo antes de chegarmos no ponto final.

Como já era tarde, super quente, e a gente tinha que voltar o percurso inteiro a pé até o carro, nós resolvemos não esperar pelo show que parecia que não ia começar tão cedo. Caminhamos de volta pelo cenário mais triste que já vi na minha vida. Era um deserto. Casas abandonadas, terrenos vazios, não consigo nem imaginar como era esse lugar antes dA Tempestade. Não tem nem árvores, só mato. Chegamos no carro e voltamos pelo percurso entre as ruas das casas modernosas do Brad Pitt, até chegar de volta na parte da cidade que a gente conhece, que está, bem ou mal, sendo reconstruída, reinventada, revitalizada.
Mas tudo é tão frágil. Basta outra tempestade vir e sei lá onde vai parar essa nova New Orleans. Dessa vez os diques garantiram a segurança da maior parte da cidade, mas outras áreas foram alagadas, totalmente destruídas.

Desde que, no início do século XVIII, os franceses escolheram esse local pra construir a sede do território de Louisiana foram muitos furacões. A cidade foi destruída ainda quando tentavam ergue-la há 300 anos. Acho que a cidade já nasceu com essa fragilidade e capacidade de renovação. E a população tem a idéia muito clara de que tudo é efêmero, que a vida é curta e, portanto, é melhor aproveitar. E assim aproveita-se para celebrar a vida diariamente, da forma mais original possível.
E quase tudo que você presencia aqui dá pra dizer, como Kermit Ruffins gosta de repetir, "only in New Orleans, only in New Orleans"!!


PS: Kermit Ruffins é um dos músicos/chefs mais queridos da cidade. É uma figura!! E como ele não gosta de sair de New Orleans nem em caso de furacão, só vindo aqui mesmo para conhecê-lo.




Sunday, September 2, 2012

Sobre a minha primeira tempestade


                Árvore numa rua em New Orleans um dia depois que o furacão Isaac passou por aqui.


Quando meu namorado me falou as datas em que ele ia viajar para o Brasil e Argentina eu falei brincando que ele ia me deixar aqui sozinha quando o furacão viesse. Não tinha nenhuma tempestade "programada", só o risco que sempre há porque é "temporada de furacão". Ele sempre vai ao Brasil em agosto porque é o aniversário da filha dele e ano passado eu também fui ao Brasil na mesma época. Como tenho trabalho "de verdade" agora não dava pra eu ir. Sem falar que meus pais nem no Brasil estavam. Mas, enfim, no ano passado fiquei feliz em escapar do mês de agosto em New Orleans. Não só pelo calor, mas porque acho que todo mundo associa esse mês com o furacão Katrina.

Dia 29 de agosto, quarta-feira passada, foi o 7º aniversário do Katrina. Sempre tem um grande evento aqui em memória das 1800 pessoas que morreram em consequência do rompimento dos diques e alagamento de 80% da cidade depois do Katrina. Esse ano o evento teve que ser adiado pra amanhã, 3 de setembro. Numa triste coincidência, o furacão Isaac veio maltratar a cidade exatamente no aniversário da passagem do Katrina. Pra uma população traumatizada foi uma coincidência cruel.

Mas o Isaac não prometia ser nada como o furacão de 7 anos atrás, sem falar que o novo sistema de proteção da cidade é muito melhor do que o que existia antes do desastre de 2005. Por isso grande parte da população ficou por aqui mesmo. Ninguém quer ter que sair de casa, pegar estrada engarrafada, gastar dinheiro num hotel e ainda abandonar suas casas, toda vez que uma tempestade vem por aqui. O prefeito foi muito claro que só a população das áreas fora da proteção dos novos diques tinham com que se preocupar.

Eu também fiquei e, apesar de morar na parte mais alta da cidade, parte dos 20% que não alagou depois do Katrina, fui pra casa de amigos aqui na cidade mesmo. Fui pela companhia e porque  é quase certo que durante uma tempestade a gente perde eletricidade e potencialmente o contato com o mundo.
Ficar em casa sozinha no calor durante o dia e no escuro à noite não parece muito divertido.

Quando sai do trabalho na segunda-feira já sabia que não íamos abrir na terça e na quarta. Fui pra casa dos meus amigos na segunda à noite. Quase tudo fechou a partir da terça, mas foi um dia até meio tranquilo. Choveu e o vento começou a aumentar. Todo mundo ficou grudado na TV vendo a previsão do tempo e ficamos esperando o furacão categoria 1 que vinha diretamente pra cidade.

A noite de terça pra quarta foi longa e agitada. De vez em quando se ouvia um galho de árvore batendo numa janela. Quase nada foi danificado na casa dos meus amigos. Um pouco de água estava entrando por uma janela na cozinha mas muito mais por um problema da janela que não é bem lacrada do que pela severidade da tempestade. Dormimos na terça com luz e ar-condicionado e acordamos na quarta sem.

Na quarta-feira, 29 de agosto, a tempestade manteve a gente dentro de casa quase o dia inteiro. Como o fogão lá é a gás dava até pra cozinhar. Mas sem TV as notícias estavam vindo via um rádio a pilhas e o acesso a internet pelo celular. Pra recarregar o celular eu usei o meu laptop que foi previamente carregado com esse propósito. Minha companhia telefônica não me decepcionou. Ficamos conectados o tempo inteiro. Graças a chuva e vento a casa não ficou quente. Dormir de quarta pra quinta foi até agradável.

A quinta chegou mais quente e ainda sem energia na casa. Tudo na geladeira pedia pra ser consumido ou jogado fora. Todo mundo começou a sair de casa mas, com a cidade quase toda sem energia, as ruas estavam sem sinais de trânsito. O vento ainda estava relativamente forte e a recomendação era ficar em casa. Só que muita gente não aguentava mais ficar trancado. Os poucos lugares que tiveram a sorte de não perder energia, ou que tinham gerador, começaram a re-abrir. Na quinta à tarde saimos de carro e o que vimos foi árvores e postes caídos por todos os lados. A foto acima é de uma árvore numa rua próxima a casa dos meus amigos.

Passamos no meu apartamento e estava tudo em ordem. Meu carro e apartamento intactos, mas também não tinha energia na vizinhança e o prédio estava vazio. Resolvi ficar na casa dos amigos mais um pouco. Na quinta à noite fomos pro restaurante dos meus amigos que não ficou sem energia e estava funcionando. O time de futebol de New Orleans, Saints, estava jogando e vimos o jogo na TV. Eles perderam. Mas a cerveja estava gelada e a pizza quente.

A sexta continuou quente mas à noite a energia chegou na casa dos meus amigos e dormi lá de novo. No sábado eu já estava desesperada pra ir pra casa e vim de qualquer jeito. A temperatura dentro do meu apartamento era de 33º Celsius. Eu abri todas as janelas e, de biquini, fui arrumar as coisas. Tinha tirado tudo de perto das janelas, alguns quadros da parede, então estava uma bagunça para o padrão de organização de quem é obsessiva-compulsiva. Também tive que tirar as únicas coisas que deixei na geladeira que tinha deixado na ilusão de talvez não perder a eletricidade.

Quando estava me preparando para um romântico banho a luz de velas a energia voltou!! Era umas 7 da noite, ainda estava claro. Que sublime teria sido esse momento se o alarme do apartamento não tivesse começado a tocar até me deixar surda. Liguei pro dono do apartamento que não sabia como desligar e acabei descobrindo por conta própria. Que alívio! Guardei todas as velas e lanternas porque eu tenho que guardar tudo imediatamente após o uso e fui feliz tomar banho. Antes de ligar o chuveiro a energia se foi. E eu fui no escuro pegar as velas e tomar meu banho.

Depois do banho fiquei no ar-condicionado do meu carro até uma amiga vir me pegar pra tentar achar um lugar aqui perto pra jantar e tomar uma cerveja gelada. Antes de ela chegar a energia tinha voltado, acho que por volta das 9. Nós comemos num Irish Pub que estava funcionando normalmente. Tomamos cerveja num outro Irish pub e depois vim dormir feliz.

Hoje acordei cansada, muito cansada. Nós aqui escapamos do pior, mas nem todos tiveram a mesma sorte. Fico triste com as notícias. E aqui mesmo tem gente ainda sem energia num dia quente como esse. Pra uma cidade que vive de turismo tem muita gente sem poder trabalhar. A normalidade é relativa. Nem sái de casa ainda hoje mas vou ter que ir comer porque não tenho nada aqui além de biscoitos, umas frutas secas, chocolate e água.

Aqui vai meu relato da minha experiência. Nem vou reler o texto, só publicar porque estou cansada mesmo. Tem muita coisa passando pela minha cabeça e espero escrever sobre isso depois.