O advogado (procurador da República) que discursou começou por falar que se tornou cidadão americano quando nasceu, ao contrário de nós, 187 pessoas sentadas ali na frente dele, que tivemos que nos esforçar e passar o teste de inglês e cívico (que, por sinal, a maioria dos americanos não passaria se tivesse que fazer). Ele não mencionou todas as taxas que tivemos que pagar, entrevistas, impressões digitais, stress, etc, mas tudo bem, vai ver que ele pensa que é só o teste mesmo. Não duvido nada.
Em seguida, claro, ele falou que os americanos não valorizam o privilégio de terem nascido nesse país maravilhoso já com todos os direitos de cidadãos americanos. E foi aí que entrou a arrogância (mesmo que não tenha sido proposital). Nessa mesma hora eu desviei o pensamento para as coisas que ainda tenho que encaixotar na minha casa, os telefonemas que tenho que dar na segunda-feira no trabalho, o churrascão da gente diferenciada em São Paulo, a enchente do rio Mississippi...
O fato é que eu não acho que é necessário diminuir os países de origem dos outros e dizer que os Estados Unidos são "number 1" numa cerimônia de naturalização. Algumas pessoas que estão ali escolheram morar nesse país mas outras, não, foram obrigadas por alguma razão a deixar seus lares. E mesmo pra quem escolheu, como eu, acho um absurdo ter que ouvir isso. Por que desrespeitar a cultura dos 50 países que estão lá representados e achar que quem se naturaliza americano o faz porque não tinha direitos nem oportunidades em seu país natal?
A cultura da competição é tão forte aqui que não passa pela cabeça do advogado que minha vida no Brasil (só pra dar um exemplo) era ótima, mas eu vim pra cá e acabei ficando por razões que não tem nada a ver com o fato de eu não ter oportunidade nenhuma antes de me ter sido dado o direito de viver "o sonho americano".
A canadense sentada do meu lado, com certeza, não virou americana para desfrutar dos incríveis benefícios do sistema de saúde pública e da licença maternidade dos Estados Unidos. Pra quem não sabe, nenhum dos dois é direito garantido por aqui, estou sendo irônica!!
Sei lá porque uma pessoa vem da Bélgica e quer se naturalizar americana! Mas tenho certeza que não é pela completa falta de direitos ou oportunidades lá. Vai ver que essa pessoa joga baseball e lá não tem time profissional!!!!
Somente no caso de quem estava sendo perseguido, correndo risco de ser morto, quem estava morrendo de fome, quem não tinha direito a voto, nem de expressar sua opinião... Nesse caso, não a dúvida que, em comparação, viver aqui é um sonho.
Pra mim, as oportunidades aqui são apenas diferentes das que eu tinha no Brasil. Aqui eu tenho um carro automático porque é até difícil achar um que não seja. Em Fortaleza eu tinha praia e a melhor comida do mundo (na minha opinião!!). Mas não escolhi ficar aqui porque um carro automático é mais importante pra mim do que comida e praia, de jeito nenhum!!!! O porque de eu estar aqui dá outro post.
A verdade é que pra muita gente o acesso mais fácil a bens de consumo é razão suficiente pra sonhar com esse país. Se alguém acha que é melhor viver aqui porque pode comprar um carro, uma TV de tela plana e um iPod, tudo bem. Mas, normalmente, você está trocando suas raízes culturais, a proximidade da família, calor humano, por essas coisas. Quem quiser faz suas escolhas. Ou não. Porque nem só de aparelhos eletrônicos vive o homem!!!
Alguns imigrantes vêm pra cá com mala, cuia, família, música, comida, toda a sua cultura junto. Porque não querem abrir mão do que tinham e querem mais oportunidades. Observe a comunidade mexicana (que é a maior) ou de outros países da América Latina aqui nos Estados Unidos e você vai entender exatamente o que eu quero dizer. Assim como muitas outras comunidades que criam suas mini-cidades dentro das cidades americanas. Daí as "Chinatowns" e "Little Italys" espalhadas por aí...
Enfim, essa noção de que todo mundo que se naturaliza americano o faz porque acha que tudo aqui é muito melhor, e que está desesperado pra deixar suas raízes pra trás, é obviamente falsa.
No meu caso, enquanto estava sentada ali no Centro de Convenções ouvindo (mais ou menos) o discurso do procurador, não tinha como eu me sentir extremamente grata pelo privilégio de me tornar cidadã americana porque fui salva de uma vida de qualidade inferior lá no Brasil!! Não!! Eu estava feliz por ter tomado essa dificílima decisão de me naturalizar, e por poder ser cidadã de dois países, cada um com seus defeitos e encantos, mas que são (um mais que o outro) "home" pra mim.